domingo, 14 de fevereiro de 2016
A Paixão de um Colecionador
Livro de bolso do IV Centenário iniciou acervo de documentos sobre o Rio.
Carlos dos Santos, de 77 anos, começou a se tornar um colecionador, há quase 50.
Apaixonado pela cidade, especialmente pela Tijuca, onde nasceu e mora, Santos leu um anúncio informando que, no dia 1 de março de 1965, haveria a distribuição de livros de bolso em homenagem ao IV Centenário do Rio. Os exemplares "Aspectos da história do Rio de Janeiro", foram jogados de avião, junto aos Arcos da Lapa, e encantaram Santos, que tomou ali, gosto por colecionar documentos sobre a fundação do Rio, que fará 450 em 2015.
- Eu vi o anúncio e fui. Os folhetos caíram como uma chuva de livros. Cada um foi jogado como um miniparaquedas, para descer de forma lenta e chamar a atenção da população- lembre ele que conseguiu três exemplares.
Quem entra em sua biblioteca, com 25 metros quadrados, se surpreende com tantos artigos e objetos antigos, como uma revista "O Cruzeiro", edição especial do IV Centenário.
Santos tem ainda a edição especial da revista "Manchete". além de matérias do Globo e outros jornais.
-Não sou historiador. Sou pesquisador e memorialista. Minha intenção é conservar a história do Rio e, principalmente da Tijuca. berço da nobreza.
Ele diz que com as comemorações, espera que o carioca passe a olhar a cidade com mais carinho. E garante que guardará todas as lembranças que conseguir dos 450 anos.
Rodrigo Bertolucci, Jornal O Globo, 2014
Prédio do Século XIX é Restaurado
A cidade ganhou um presente antecipado pelos seus 450 anos de fundação, comemorados em 1 de março de 2015.
Meses antes de soprar as velinhas, o Rio recebeu ontem, o prédio 287 da Rua do Riachuelo , no Centro, erguido no século XIX, que foi sede da Inspeção Geral de Obras Públicas da Capital Federal, em 1901,e hoje pertence à Cedae.
Com o retrofit, o imóvel-de três andares , pé direito de 4,5 metros e amplas paredes de 70 centímetros de largura-já começou a ser utilizado. Ontem mesmo, foi palco do lançamento do livro " Memória da Água", do francês Benoit Fournier.
O lugar está disponível para eventos-inclusive os da programação dos 450 anos do Rio. Mas o espaço, de três mil metros quadrados, foi recuperado com o objetivo principal de se tornar um centro cultural interativo : a Casa das Águas.
Lá o visitante poderá ver exposições e "mergulhar" em atividades educativas, de pesquisa e lúdicas sobre a água. E, num anexo , em obras, funcionarão uma sala de cinema e um auditório.
-Esse prédio é um patrimônio histórico e corria o risco de pegar fogo. A fiação estava aparente. O telhado também podia desabar- recorda Wagner Victer, presidente da Cedae.
Os 8 milhões gastos na restauração foram captados através da Lei Rouanet, de incentivos fiscais, do Ministério da Cultura. Como o imóvel é preservado, a reforma precisou ser cercada de cuidados, e levou dois anos.
São necessários mais 7 milhões para implantar o centro cultural. A intenção do Instituto de Sustentabilidade e Novos Talentos do Esporte e da Cultura (INTEC), responsável pela Casa das Águas, é que o espaço funcione em 2015.
Selma Schimidt, Jornal O Globo, 2014
Monstro ou Maravilha?
Filme e livro relembram a história do Palácio Monroe, demolido por causa das obras do metrô. Hoje ali há chafariz e estacionamento subterrâneo.
O carioca morre de saudade do Palácio Monroe, Mesmo quem ainda não tinha chegado aqui em março de 1976, quando foi demolido, nutre certa nostalgia do imponente edifício, construído em 1904 para uma exposição nos EUA- três anos depois viria todo ele para cá, transportado de navio , peça por peça.
A fixação das pessoas por esta espécie de castelo-localizado no Centro mas à beira mar-costuma gerar mostras de fotos e debates sobre se deveria ou não ter havido o desmanche.
E agora novas e velhas histórias sobre o prédio aparecem em dois lançamentos: um documentário especificamente sobre o tema e um livro que fala da década de 20 e, por isso mesmo, sobre a importância do Monroe naquele momento. O filme selecionado para ser exibido no Festival do Rio, no mês que vem, chama-se Crônica da Demolição e é dirigido por Eduardo Ades.
Por sua vez, Babélica Urbe, editado pela Rio Books. é assinado pela arquiteta Jane Santucci, da Escola de Bela Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e teve destaque na recém encerrada Bienal do Livro. Nos capítulos que falam da região central da cidade e da Lapa, há comentários tanto positivos como negativos sobre a relevância do palácio.
Chamado de "monstrengo" e "aberração" por uns, de "maravilha de arquitetura" por outros, já foi sede da Câmara dos Deputados e também do Senado Federal.
No fim, o prédio, que estava para ser tombado pelo patrimônio público ( já havia até documentos para isso ), acabou tombado, ao pé da letra, por retroescavadeiras da prefeitura.
Curiosidades:
Estátuas de leões que adornavam o Monroe estão em Minas e Pernambuco.
Sobre o palácio: levou o primeiro prêmio da arquitetura brasileira; Refeito no Rio, foi por um tempo Pavilhão Saint Louis; Seus leões estão em Recife e nume fazenda em Minas.
Sobre o filme: a pesquisa de imagens passou por trinta acervos; Há uma cena rara da hora da demolição , em cores; Será exibido no Odeon, ao lado de onde ficava o Monroe.
Sobre o livro: fala também do Theatro Municipal e favelas; tem quase 300 páginas; Na contra capa, Ruy Castro diz que o Rio "era moderno antes até do modernismo"
Lula Branco Martins, Veja Rio, 2015, 23 de setembro
Filme e livro relembram a história do Palácio Monroe, demolido por causa das obras do metrô. Hoje ali há chafariz e estacionamento subterrâneo.
O carioca morre de saudade do Palácio Monroe, Mesmo quem ainda não tinha chegado aqui em março de 1976, quando foi demolido, nutre certa nostalgia do imponente edifício, construído em 1904 para uma exposição nos EUA- três anos depois viria todo ele para cá, transportado de navio , peça por peça.
A fixação das pessoas por esta espécie de castelo-localizado no Centro mas à beira mar-costuma gerar mostras de fotos e debates sobre se deveria ou não ter havido o desmanche.
E agora novas e velhas histórias sobre o prédio aparecem em dois lançamentos: um documentário especificamente sobre o tema e um livro que fala da década de 20 e, por isso mesmo, sobre a importância do Monroe naquele momento. O filme selecionado para ser exibido no Festival do Rio, no mês que vem, chama-se Crônica da Demolição e é dirigido por Eduardo Ades.
Por sua vez, Babélica Urbe, editado pela Rio Books. é assinado pela arquiteta Jane Santucci, da Escola de Bela Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e teve destaque na recém encerrada Bienal do Livro. Nos capítulos que falam da região central da cidade e da Lapa, há comentários tanto positivos como negativos sobre a relevância do palácio.
Chamado de "monstrengo" e "aberração" por uns, de "maravilha de arquitetura" por outros, já foi sede da Câmara dos Deputados e também do Senado Federal.
No fim, o prédio, que estava para ser tombado pelo patrimônio público ( já havia até documentos para isso ), acabou tombado, ao pé da letra, por retroescavadeiras da prefeitura.
Curiosidades:
Estátuas de leões que adornavam o Monroe estão em Minas e Pernambuco.
Sobre o palácio: levou o primeiro prêmio da arquitetura brasileira; Refeito no Rio, foi por um tempo Pavilhão Saint Louis; Seus leões estão em Recife e nume fazenda em Minas.
Sobre o filme: a pesquisa de imagens passou por trinta acervos; Há uma cena rara da hora da demolição , em cores; Será exibido no Odeon, ao lado de onde ficava o Monroe.
Sobre o livro: fala também do Theatro Municipal e favelas; tem quase 300 páginas; Na contra capa, Ruy Castro diz que o Rio "era moderno antes até do modernismo"
Lula Branco Martins, Veja Rio, 2015, 23 de setembro
As Marcas da Imigração
Cineasta portuguesa produz no Rio um documento que conta histórias sobre o Real Gabinete, a Travessa do Comércio, restaurantes , padarias, e empresas com fundadores lusos.
Era uma vez uma cineasta portuguesa que em 2010, deixou sua terra natal para dividir-se, como jornalista correspondente em nosso país, entre São Paulo e Rio. Ou lá, ou cá, sempre passou por sua cabeça a vontade de fazer um documentário sobre a migração de seus patrícios para o Brasil, com foco nos meados do século XX e nos dias atuais. Como um tio avô havia desembarcado no Rio, provavelmente na década de 50, ela escolheu a cidade para ser o pano de fundo de seu filme. Mas o inusitado desse enredo não para por aí. A história da produção conduzida por Vanessa Rodrigues- nascida na cidade do Porto-ganha contornos ainda mais curiosos quando se sabe que ela já está gravando o longa (desde o início deste mês) mas até agora não identificou o paradeiro de seu parente, apenas ouvindo falar por terceiros, que ele se encontra adoentado.
Com ou sem o tio, a diretora começou a rodar Batismo de Terra, e pensa em entrevistar pelo menos mais cinco personagens para ajudar a compor o Rio de então e contar a difícil chegado dos portugueses a uma nação estrangeira. Ela vai se valer de imagens de lugares como a Travessa do Comércio ( o roteiro frisará que a cantora Carmen Miranda morou ali), e o Real Gabinete Português de Leitura, os dois no Centro, além do Palácio São Clemente em Botafogo, onde funciona o consulado de Portugal, com pedras na calçada formando o brasão da bandeira lusa. Pequenos estabelecimentos, como padarias e restaurantes, e mesmo empresas de ônibus também aparecerão na tela.
" Quando cheguei pela primeira vez no Rio, tive a plena sensação de estar em casa. ", diz Vanessa.
A obra fica pronta em 2016, com 80 minutos de duração.
Lua Branco Martins, Veja Rio, 2015, 30 de setembro
Cineasta portuguesa produz no Rio um documento que conta histórias sobre o Real Gabinete, a Travessa do Comércio, restaurantes , padarias, e empresas com fundadores lusos.
Era uma vez uma cineasta portuguesa que em 2010, deixou sua terra natal para dividir-se, como jornalista correspondente em nosso país, entre São Paulo e Rio. Ou lá, ou cá, sempre passou por sua cabeça a vontade de fazer um documentário sobre a migração de seus patrícios para o Brasil, com foco nos meados do século XX e nos dias atuais. Como um tio avô havia desembarcado no Rio, provavelmente na década de 50, ela escolheu a cidade para ser o pano de fundo de seu filme. Mas o inusitado desse enredo não para por aí. A história da produção conduzida por Vanessa Rodrigues- nascida na cidade do Porto-ganha contornos ainda mais curiosos quando se sabe que ela já está gravando o longa (desde o início deste mês) mas até agora não identificou o paradeiro de seu parente, apenas ouvindo falar por terceiros, que ele se encontra adoentado.
Com ou sem o tio, a diretora começou a rodar Batismo de Terra, e pensa em entrevistar pelo menos mais cinco personagens para ajudar a compor o Rio de então e contar a difícil chegado dos portugueses a uma nação estrangeira. Ela vai se valer de imagens de lugares como a Travessa do Comércio ( o roteiro frisará que a cantora Carmen Miranda morou ali), e o Real Gabinete Português de Leitura, os dois no Centro, além do Palácio São Clemente em Botafogo, onde funciona o consulado de Portugal, com pedras na calçada formando o brasão da bandeira lusa. Pequenos estabelecimentos, como padarias e restaurantes, e mesmo empresas de ônibus também aparecerão na tela.
" Quando cheguei pela primeira vez no Rio, tive a plena sensação de estar em casa. ", diz Vanessa.
A obra fica pronta em 2016, com 80 minutos de duração.
Lua Branco Martins, Veja Rio, 2015, 30 de setembro
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Dois lados da mesma festa
O bicentenário de Martins Pena é lembrado em exposição, seminário e peça. Mas a escola que leva seu nome, em crise, fará um modesto sarau.
O diplomata, dramaturgo e crítico teatral Luís Carlos Martins Pena ( 1815-1848) viveu pouco-apenas 33 anos-mas revolucionou o teatro ao introduzir a comédia de costumes no Brasil. Considerado o Molière (1622-1673 ) brasileiro, o autor carioca retratava a sociedade e suas instituições da época abordando temas como a carestia, a corrupção das autoridades públicas e a exploração religiosa. Assuntos ainda atuais (basta acompanhar o noticiário), mesmo depois de 200 anos do nascimento de Pena, completados no dia 5 de novembro ( 2015).
Para comemorar a data , o Sesc promove o evento Martins Pena: 200 anos de Histórias, com exposição, teatro e seminários. Já , a instituição que leva seu nome, Faetc Escola técnica Estadual de Teatro Martins Pena, luta para superar a crise que atravessa e homenagear o autor, que também é patrono da Academia Brasileira de Letras. " vamos fazer um sarau ainda em novembro", promete o diretor Marcelo Reis, que assumiu o cargo em agosto , em meio ao caos que ia da falta de professores à má conservação do casarão onde a escola funciona desde 1950. Segundo Reis, os problemas estão sendo sanados. Professores de outras instituições foram chamados para que o ano letivo pudesse ser concluído e haverá concurso público. também estão nos planos a construção de dois andares no anexo ( inaugurado em 2007), a restauração do casarão, o aumento no número de alunos, de 250 para 450, e a abertura de cursos, entre outras medidas. Tomara que na próxima efeméride envolvendo o escritor a casa que leva seu nome consiga comemorar com toda a pompa.
Heloíza Gomes, Veja Rio, novembro de 2015
Glamour à francesa
Ao completar 110 anos, a Avenida Rio Branco é um dos destaques entre as imagens que compõem a mostra na Casa de Rui Barbosa.
O dia 15 de novembro de 1905 foi marcante para o Rio. Depois de três anos de demolições e obras, conhecidas popularmente como bota-abaixo, os cariocas finalmente puderam ser apresentados à parte mais vistosa do projeto : a Avenida Central ( atual Avenida Rio Branco ).
A via, inspirada nos boulevares parisienses, se tornou o principal marco de uma ampla revitalização de todo o Centro, empreendida pelo prefeito Francisco Pereira Passos ( 1836-1913)
inaugurada como um eixo de ligação entre a Praça Mauá ( na época ainda em construção ), e a Glória, ela foi desenhada pelo engenheiro Paulo de Frontin ( 1860-1933) e aberta ao público com 30 prédios prontos e 80 em fase de edificação, ladeando seus 1800 metros de extensão e 33 metros de largura. A avenida era dividida por um jardim, com árvores de pau-brasil, e virou endereço preferencial de empresas, jornais, clubes e outras instituições de peso.
Apesar do avanço incontestável, a reforma foi cercada por polêmica. Para a abertura da via, foram demolidas mais de 600 casas, o que desalojou centenas de pessoas. O mesmo aconteceu em vários pontos da cidade, para a criação de outras avenidas, como a Passos, Uruguaiana e Atlântica
A partir da década de 40, a rio Branco foi perdendo seu ar europeu, com os prédios em estilo eclético sendo substituídos por arranha- céus. mas ainda restam algumas edificações do período, que agora assistirão a uma nova mudança, com a instalação da linha de VLT por toda a sua extensão. Para os interessados em conhecer mais a história da região, a Casa de rui Barbosa abriga, até 10 de janeiro de 2016, a mostra Visões do Rio Antigo, com documentos, fotografias e cartões -postais da virada do século XIX para o XX.
Heloíza Gomes, Veja Rio, 2015,18 de novembro.
A praia libertária
O Arpoador é tema de um documentário que ressalta a história e a tradição democrática de um dos trechos mais emblemáticos da orla carioca.
Famoso pela concentração de surfistas, pelo espetacular pôr do sol, pelo agito no calçadão, e mais recentemente, pelos arrastões que tem acontecido por ali, o Arpoador agora também é tema de um documentário. Dirigido pelos cineastas Hamsa Wood e Hélio Pitanga, a obra é um dos destaques da mostra Arquivo em Cartaz, que acontece entre 9 e 13 de novembro [2015] e contará com trabalhos nacionais e estrangeiros com pelo menos 30% de imagens coletadas em arquivos. Com o título de Ar´poador-Praia e Democracia, a produção será exibida nos dias 12 e 13 no Cine Pátio, do Arquivo Nacional e no Cine Teatro- BNDES, respectivamente.
Baseado em estudos do antropólogo Roberto DaMatta, o documentário retrata a importância desse pequeno trecho de 500 metros entre a Praia do diabo e Ipanema na formação da cultura de praia do Rio, com seu caráter igualitário e democrático. " Não há muito o que ostentar de sunga e de biquini, Aqui vale mais a personalidade das pessoas." conta em sua última entrevista o ator Adriano Colassanti, que morreu em fevereiro do ano passado, aos 78 anos. Frequentador do local desde os anos 50 e 60, ele foi um dos pioneiros a ganhar provas de surf realizadas por ali. " Na ditadura, quando as pessoas sofriam com censura e repressão, aquele era um espaço para ver as ondas, as gatas e trocar idéias com a rapaziada. ", reforça em seu depoimento Evandro Mesquita, fundador da banda Blitz, expoente do rock carioca nos anos 80 e participante de um dos momentos icônicos da praia, que foi a instalação do Circo voador, no verão de 1982. O filme é pródigo em episódios que reforçam as origens da tradição liberal do lugar. Entre eles, está por exemplo, a estréia do biquini nas areias brasileiras, em 1948, quando as duas peças foram apresentadas ao país pela alemã Miriam ETZ exatamente naquele ponto da orla.
Heloísa Gomes, Veja Rio, 11 de novembro de 2015
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
História do Tempo
O homem branco que é o senhor, dono, proprietário dos cinco outros homens , negros e mulatos, está à frente , na posição de autoridade e domínio. Os outros se encontram atrás. O primeiro à esquerda do Senhor é mulato, está bem vestido. Ao contrário dos outros, deixou o cabelo meio liso crescer, penteou-o, fez uma risca no lado esquerdo, como o do seu Senhor.
Mas, não pode usar sapatos, privilégio e marca distinta dos livres e libertos. Tirar fotografia era uma operação demorada. Ninguém podia se mexer durante quase dois minutos. Outras tentativas já podiam ter falhado. O fotógrafo Militão, que fez essa foto em São Paulo, deve ter reclamado.
Por isso ou por outras razões mais secretas, o Senhor está zangado, de cara amarrada. O escravo situado à sua direita, assustado, encolheu-se. Na extrema esquerda, o homem com a varinha na mão – pastor de cabras ou de vaca leiteira na cidade – tem um olhar altivo, talvez por que traga nas mãos o objeto de seu ofício, que o distingue dos outros cativos, paus pra toda obra. Na extrema direita, o homem de branco se mexeu: estragou a foto da ordem escravista programada pelo seu Senhor. Vai apanhar. No seu rosto fora de foco vislumbra-se o medo. Vai apanhar.
(Foto de Militão Augusto de Azevedo, São Paulo, 1870. Texto: Luiz Felipe Alencastro – SP)
Texto retirado do zine Um Grito Pela Paz, Nº 29, Dezembro de 2009.
Por isso ou por outras razões mais secretas, o Senhor está zangado, de cara amarrada. O escravo situado à sua direita, assustado, encolheu-se. Na extrema esquerda, o homem com a varinha na mão – pastor de cabras ou de vaca leiteira na cidade – tem um olhar altivo, talvez por que traga nas mãos o objeto de seu ofício, que o distingue dos outros cativos, paus pra toda obra. Na extrema direita, o homem de branco se mexeu: estragou a foto da ordem escravista programada pelo seu Senhor. Vai apanhar. No seu rosto fora de foco vislumbra-se o medo. Vai apanhar.
(Foto de Militão Augusto de Azevedo, São Paulo, 1870. Texto: Luiz Felipe Alencastro – SP)
Texto retirado do zine Um Grito Pela Paz, Nº 29, Dezembro de 2009.
A Política do Pão e Circo - Panis et Circensis
No processo de formação do Império Romano, observamos que uma nova ordem política fora desenvolvida pela ação de Otávio Augusto. Ao mesmo tempo em que as decisões ficariam centralizadas nas mãos do imperador, notamos que esse novo regime também buscava apoio de outras parcelas da elite presentes na sociedade romana. De tal modo, os grandes proprietários de terra e comerciantes passaram a ter presença no Senado e em diversos cargos públicos romanos.
Com o passar do tempo, vemos que a hegemonia das elites na ocupação dos cargos públicos e políticos romanos tiveram um claro efeito na economia e na sociedade daqueles tempos. Proprietários de terra e comerciantes ampliaram os seus poderes com a aquisição de novas terras, a compra de escravos e o alcance de privilégios de ordem diversa. Em contrapartida, os cidadãos mais pobres e os plebeus acabavam sendo excluídos desse processo de crescimento e tendo grandes dificuldades para sobreviver.
Para que essa situação de exclusão e desigualdade não acabasse determinando a realização de revoltas, a administração imperial decidiu estabelecer a chamada “política do pão e circo”. Nessa medida, o governo de Roma realizava grandes espetáculos, nos quais a população plebeia gastava parte de seu tempo assistindo a disputas esportivas e a lutas entre os gladiadores. Durante a mesma ocasião, alimentos e trigo eram fartamente distribuídos para a população menos favorecida.
Ao longo do tempo, acreditava-se que o “pão e circo” foi uma tática que conseguiu subverter as diferenças sociais e econômicas por meio do assistencialismo. Em diversos textos contemporâneos observamos que a instituição do “pão e circo” foi utilizada no intuito de criticar ações governamentais em que os menos favorecidos eram ludibriados com a concessão de favores e diversão. Propondo esse tipo de uso, acaba-se tendo a impressão de que o “pão e circo” romano retinha a insatisfação dos plebeus.
Na verdade, “o pão e circo” romano não atingia a totalidade da população de Roma, que, na época, tinha mais de um milhão de habitantes. Uma pequena parte dessa população pobre tinha direito aos benefícios do Estado, e nem todos os plebeus tinham como acessar as arenas onde os espetáculos aconteciam. Além disso, as arenas também funcionavam como um espaço em que os plebeus manifestavam a sua insatisfação com relação ao preço dos alimentos e à cobrança de impostos.
Por Rainer Sousa
No processo de formação do Império Romano, observamos que uma nova ordem política fora desenvolvida pela ação de Otávio Augusto. Ao mesmo tempo em que as decisões ficariam centralizadas nas mãos do imperador, notamos que esse novo regime também buscava apoio de outras parcelas da elite presentes na sociedade romana. De tal modo, os grandes proprietários de terra e comerciantes passaram a ter presença no Senado e em diversos cargos públicos romanos.
Com o passar do tempo, vemos que a hegemonia das elites na ocupação dos cargos públicos e políticos romanos tiveram um claro efeito na economia e na sociedade daqueles tempos. Proprietários de terra e comerciantes ampliaram os seus poderes com a aquisição de novas terras, a compra de escravos e o alcance de privilégios de ordem diversa. Em contrapartida, os cidadãos mais pobres e os plebeus acabavam sendo excluídos desse processo de crescimento e tendo grandes dificuldades para sobreviver.
Para que essa situação de exclusão e desigualdade não acabasse determinando a realização de revoltas, a administração imperial decidiu estabelecer a chamada “política do pão e circo”. Nessa medida, o governo de Roma realizava grandes espetáculos, nos quais a população plebeia gastava parte de seu tempo assistindo a disputas esportivas e a lutas entre os gladiadores. Durante a mesma ocasião, alimentos e trigo eram fartamente distribuídos para a população menos favorecida.
Ao longo do tempo, acreditava-se que o “pão e circo” foi uma tática que conseguiu subverter as diferenças sociais e econômicas por meio do assistencialismo. Em diversos textos contemporâneos observamos que a instituição do “pão e circo” foi utilizada no intuito de criticar ações governamentais em que os menos favorecidos eram ludibriados com a concessão de favores e diversão. Propondo esse tipo de uso, acaba-se tendo a impressão de que o “pão e circo” romano retinha a insatisfação dos plebeus.
Na verdade, “o pão e circo” romano não atingia a totalidade da população de Roma, que, na época, tinha mais de um milhão de habitantes. Uma pequena parte dessa população pobre tinha direito aos benefícios do Estado, e nem todos os plebeus tinham como acessar as arenas onde os espetáculos aconteciam. Além disso, as arenas também funcionavam como um espaço em que os plebeus manifestavam a sua insatisfação com relação ao preço dos alimentos e à cobrança de impostos.
Por Rainer Sousa
Estudante Nigeriano Constrói Carro Ecológico Com o Que Encontrou na Sucata
Publicado em: 05:58

O jovem Segun Oyeyiola. estudante nigeriano, conseguiu criar um carro, feito inteiramente de sucata, mas que se move através da energia solar e eólica.
O estudante de engenharia gastou cerca de 6 mil dólares neste projecto e passou um ano a adaptar tudo o que lhe era oferecido ao seu novo veículo.
A ideia surgiu depois de tomar noção da quantidade de emissões de CO2 que garante um carro, dito, convencional. Sabia que estava a prejudicar o planeta num longo prazo e diz, sem falsa modéstia, que este carro serve para salvar o mundo.
Para além de de tudo, o automóvel vem instalado com um painel de controlo, que permite perceber se está a funcionar correctamente. Os recursos, esses, são todos naturais.
A energia solar e eólica são ambas funcionais e servem para se complementar. O painel solar encontra-se no tejadilho, ao passo que a turbina eólica fica no capô.
A bateria leva, por agora, cerca de 4 ou 5 horas a ser carregada e esse é um dos aspectos que Oyeyiola quer melhorar na sua criação.
O Tratado de Tordesilhas
"Praz as Suas Altezas, e os seus ditos procuradores em seu nome, e em virtude dos ditos seus poderes, outorgaram e consentiram que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha direta de pólo a pólo; convém a saber, do pólo ártico ao pólo antártico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e dê direta, como dito é, a trezentas e setenta léguas das ilhas de Cabo Verde em direção à parte do poente, por graus ou por outra maneira, que melhor e mais rapidamente se possa efetuar contato que não seja dado mais."

Como escreveu o professor Contente Domingues: "A 7 de junho de 1494, os procuradores de D. João II, rei de Portugal, e de Fernando e Isabel, reis de Aragão e Castela, assinaram na vila de Tordesilhas dois tratados com amplas repercussões nos destinos ibéricos, mormente no que era para os finais do século 15 uma das linhas de acção fundamentais para qualquer das partes: a expansão para fora do quadro peninsular. Do lado português estiveram presentes Rui de Sousa, senhor de Sagres e Beringel, o seu filho João de Sousa, almotacém-mor, e Aires de Almada, corregedor dos feitos civis na corte e do desembargo real; a embaixada era secretariada por Estêvão Vaz, e tinha como testemunhas João Soares de Siqueira, Rui Leme e Duarte Pacheco Pereira. Por parte de Castela e Aragão, o mordomo-mor D. Henrique Henriquez, D. Gutierre de Cárdenas, comendador-mor, e o Dr. Rodrigo Maldonado; secretariados por Fernando Alvarez de Toledo, levavam também três testemunhas, Pêro de Leão, Fernando de Torres e Fernando Gamarra.
Ao abrigo do tratado assinado em Alcáçovas em 1479, o monarca português reclamou que as descobertas de Colombo se situavam nos domínios que lhe pertenciam: «dentro dos mares, e termos de seu senhorio da Guiné», nas palavras do cronista Rui de Pina. Mandou, por isso, aprestar uma armada (cujo comando entregou a D. Francisco de Almeida) para delas tomar posse, mas embargou-a ao concordar numa moratória proposta por Fernando e Isabel, até a questão se resolver, e que lhes permitiu recorrer à Santa Sé, árbitro habitual em demandas internacionais.
O papa Alexandre VI foi claramente favorável às pretensões de quem o ajudara a sentar-se no trono pontifício – é Jernimo Zurita, o cronista do rei de Aragão, Fernando, o Católico, que o afirma peremptoriamente. Expediu em seu favor quatro bulas (que ficaram conhecidas por bulas alexandrinas), das quais as mais importantes são: a Inter Caetera que concede aos Reis Católicos as terras descobertas e a descobrir, datada de 3 de maio de 1493; a Inter Caetera II que tem data de 4 de maio mas foi expedida em junho, quase seguramente ante datada com erro material em relação à data da anterior, e demarcando explicitamente o que na outra se estipulava genericamente: aos Reis Católicos estava reservada a jurisdição das terras a ocidente de uma linha traçada de pólo a pólo, e passando 100 léguas a oeste dos arquipélagos de Cabo Verde e Açores. Ainda não era suficiente: a bula Dudum Siquidem, de 26 de setembro, virá a alargar as concessões da Inter Caetera II, reafirmando claramente o propósito de favorecer ao máximo as pretensões espanholas.
A linha divisória proposta por Alexandre VI não podia convir a D. João II: as condições de navegação no Atlântico Sul, sabia-o já, obrigavam a um acentuado desvio que aproximava os navios da costa brasileira antes de dobrarem o extremo sul de África, para que pudessem contornar os ventos e correntes que dificultavam sobremaneira a descida junto à costa ocidental deste continente. Como acontece amiúde na navegação à vela, uma rota mais longa pode ser mais rápida, cómoda e segura. Daí a contraproposta que se materializou em Tordesilhas.

Importa, por outro lado, não esquecer que se dirimiam simultaneamente questões das mais diversas. Ao invés de se tratar apenas da soberania dos novos territórios, discutiu-se à mesa e no decurso das negociações todo o frágil equilíbrio político-militar e diplomático em que assentavam as relações luso-espanholas. Tratava-se de ratificar o domínio português sobre o comércio e navegação a sul das Canárias (tal como se resolvera em Alcáçovas); de definir as zonas de expansão ibéricas no Norte de África, sobre o qual Castela e Aragão tinham também pretensões, e os direitos de pesca de ambas as partes a sul do cabo Bojador; de resolver diferendos fronteiriços dentro da Península Ibérica; e, por último, a sucessão de D. João II, que queria impor como herdeiro o seu filho bastardo D. Jorge, enquanto os Reis Católicos protegiam o partido de D. Manuel, duque de Beja e irmão da rainha D. Leonor, e que efectivamente se veio a alcandorar ao trono português: desenlace ao qual não devem ter sido estranhas as pressões exercidas na Santa Sé por D. Bernardino de Carvajal, bispo de Cartagena e irmão de um dos embaixadores que os soberanos espanhóis enviaram a Portugal para negociar com D. João II.
O encontro de Tordesilhas resolveu parte destes problemas: o que ficou conhecido por segundo tratado debruçava-se sobre a delimitação do reino de Fez (necessária para a subsequente partilha de zonas de acção no Norte de África) e sobre as pescarias; o primeiro, que reproduzimos e tratamos aqui, traduziu-se numa repartição de esferas de influência no espaço atlântico e nas conquistas ultramarinas.

Da sua leitura extraímos os seguintes passos fundamentais:
1) Seria traçada uma linha divisória de pólo a pólo e distante 370 léguas do arquipélago de Cabo Verde; a parte ocidental pertencia a Espanha e a oriental a Portugal.
2) Uma delegação de astrónomos, pilotos e marinheiros de ambas as nacionalidades e em igual número de cada uma devia fixar essa linha num prazo de dez meses.
3) Era garantido aos espanhóis o direito de passagem para o Ocidente, mas só esse.
4) Uma vez que se desenrolava entretanto a segunda viagem de Cristóvão Colombo, estipulava-se que seriam de soberania espanhola as terras por ele achadas até 20 de junho para lá de um limite de 250 léguas a oeste de Cabo Verde. Quaisquer descobertas até esse limite, ou mesmo depois dele mas efectuadas depois daquela data e até ao semimeridiano definitivo das 370 léguas, revertiam a favor de Portugal. Depois de 20 de junho respeitar-se-ia apenas esta última marca.
5) Os contratantes comprometiam-se a não recorrer «ao Santo Padre nem a outro nenhum legado ou prelado» para alterar estas disposições; antes se pedia ao papa que ratificasse o tratado na sua exacta forma.
Longe de deixar tudo clarificado, o tratado suscitou de imediato alguma controvérsia. Era, com efeito, impreciso em dois pontos: primeiro, não determinava o local exacto, no arquipélago em questão, a partir do qual se deveria fazer a mediação das 370 léguas; em segundo lugar, não determinava também o processo técnico que deveria ser posto em prática - problema fulcral, porque a medição de longitudes não se podia fazer de forma absolutamente rigorosa à luz dos conhecimentos da época (só se virá a consegui-lo com a invenção do cronômetro, no século 18, permitindo a «conservação do temp
O carnaval na Idade Média e Renascimento
Historicamente, o carnaval faz parte da cultura popular brasileira. Do latim, a palavra carnaval significa “carna vale“, ou seja, “adeus à carne”, ou ainda, o termo ‘vale’ faz menção a palavra prazer. Deste modo, o carnaval remete a despedida dos prazeres da carne física. As festividades realizadas três dias antes da quarta-feira de cinzas, chegaram ao Brasil devido à influência portuguesa durante o processo de colonização. Todavia, nosso país sofreu forte influência dos costumes culturais dos imigrantes oriundos de países como a Itália e França, no século XVII. Nobres destes países realizavam suntuosos bailes de máscaras e utilizavam belíssimas fantasias. Acredito que muitos de vocês já ouviram falar dos abastados carnavais de Veneza, que, são realizados ainda hoje.
As festividades do carnaval foram introduzidas no calendário cristão pela Igreja Católica no século XI, no entanto, em alguns textos, encontramos informações de que, desde o
século VIII, estes festejos faziam parte do calendário litúrgico católico. A Igreja desejava demarcar o período anterior à quaresma, isto é, aos quarenta dias de jejum e penitência que culminam nas celebrações da Semana Santa. A quaresma pode ser considerada a celebração mais importante do catolicismo, haja vista que, após os quarenta dias de jejum celebra-se a Páscoa, como data simbólica que representa a ressurreição de Cristo. A celebração da quaresma teve suas primeiras experiências ainda no século IV. Neste sentido, a partir do século XI, três dias antes de dar início à quaresma, eram realizados variados festejos, ocasiões em que as pessoas organizavam ceias, faziam brincadeiras e, inclusive, trocavam presentes. Estas festas eram chamadas de ‘dias godos’, momentos em que os costumes e as tradições religiosas eram enaltecidas. Mas, foi somente após o Renascimento Comercial e Urbano, que se processou no decurso do século XII, que passaram a serem organizados bailes de máscaras e fantasias durante as celebrações do carnaval.
século VIII, estes festejos faziam parte do calendário litúrgico católico. A Igreja desejava demarcar o período anterior à quaresma, isto é, aos quarenta dias de jejum e penitência que culminam nas celebrações da Semana Santa. A quaresma pode ser considerada a celebração mais importante do catolicismo, haja vista que, após os quarenta dias de jejum celebra-se a Páscoa, como data simbólica que representa a ressurreição de Cristo. A celebração da quaresma teve suas primeiras experiências ainda no século IV. Neste sentido, a partir do século XI, três dias antes de dar início à quaresma, eram realizados variados festejos, ocasiões em que as pessoas organizavam ceias, faziam brincadeiras e, inclusive, trocavam presentes. Estas festas eram chamadas de ‘dias godos’, momentos em que os costumes e as tradições religiosas eram enaltecidas. Mas, foi somente após o Renascimento Comercial e Urbano, que se processou no decurso do século XII, que passaram a serem organizados bailes de máscaras e fantasias durante as celebrações do carnaval.
Mas, a origem do carnaval não remonta ao cristianismo. Pelo contrário, este tipo de festividade já fazia parte da cultura das sociedades da Antiguidade. Diversos reis organizam comemorações a fim de celebrar rituais que homenageavam deuses e

Pintura que representa a população medieval no período do carnaval. Artista: Pieter Bruegel ”O Combate do Carnaval e a Quaresma”
elementos da natureza. Em meio a estas festividades, as pessoas tinham a oportunidade de se expressarem de maneira livre, tanto na dança, quanto em suas ações. Estas comemorações eram realizadas em meio a músicas e alimentos típicos. Assim, festejos que tinham como mote a liberalização dos costumes estavam atrelados a tradição ritualística das sociedades da Antiguidade Clássica. Povos do Egito Antigo e Mesopotâmia, por exemplo, realizavam festejos semelhantes ao que hoje vislumbramos na tradição católica. Ocasiões em que eram concedidas a liberdade de comportamento e estímulo a diversão. Desta forma, podemos afirmar que a Igreja Católica apropriou-se das tradições pagãs e integrou às suas práxis, nas celebrações da liturgia que antecedia a Semana Santa. Assim, o carnaval tem origem na tradição pagã e o catolicismo ‘ajustou’ estas festividades aos seus interesses.
Ao longo do tempo, o carnaval tornou-se uma manifestação popular e um significativo elemento cultural para várias sociedades. Nós vivemos o carnaval como uma ocasião em que podemos extravasar e dançar em meio a muita música e diversão. Não podemos deixar de fazer menção, ao uso de fantasias e máscaras que, seja em desfiles, seja em festas de rua, foram também adotadas pela nossa cultura.
Em meio a esta atmosfera carnavalesca o Tudor Brasil não poderia de deixar de trazer para vocês um pouco deste rico festejo popular em um dado período histórico. Assim, fazemos o seguinte questionamento: Como era o carnaval na Idade Média e Renascimento?
Quando pensamos em Idade Média, logo nos vem à mente a forte presença da religiosidade. O poderio da Igreja Católica no que se refere ao controle dos hábitos e costumes era inegável. No entanto, como dissemos anteriormente, o carnaval se tornou parte integrante do calendário litúrgico desde o século XI. Durante o período medieval o carnaval era considerado um momento em que a Igreja permitia que a população extravasasse práticas que eram consideradas pagãs sem que houvesse punição ou recriminação. Esta era uma estratégia da Igreja para que pudesse, desta forma, expandir a fé católica em meio a um contexto em que várias crenças, lendas e tradições. Assim era permitido que práticas que não estavam relacionadas ao cristianismo, mas ainda se faziam presentes no cotidiano popular fossem exercidas.
O carnaval na Idade Média era conhecido como “Festa dos Loucos”, uma comemoração tipicamente profana. Nestas ocasiões era permitido o consumo de bebida alcoólica, danças e músicas. É importante salientar que, o carnaval na idade média era vivenciado nas ruas, onde toda a população tinha a oportunidade de, pelo menos durante alguns dias, se comportarem com maior liberdade sem as pressões das normas sociais. Podemos afirmar que, estes festejos eram tidos como uma ‘válvula de escape’ diante da vida em uma sociedade cujos costumes eram fortemente controlados.
Na chamada “Festa dos loucos”, não apenas homens e mulheres comuns tinham a oportunidade de participar, mas também os membros do alto e baixo clero. A vida religiosa era alterada para vida pagã, o sagrado dava lugar ao profano. Membros do clero se vestiam como homens comuns e podiam festejar livremente. Nobres percorriam as ruas vestidos de pessoas comuns. A pesquisadoraClaudiana Soerensen, em seu estudo, faz menção ao importante pesquisador deste período histórico, Mikhail Bakhtin. De acordo com Bakhtin a população tinha, no carnaval, a possibilidade de exercer uma ‘dupla’ vida, isto é, podiam experimentar situações que não eram possíveis em outros períodos do ano:
Para o estudioso russo, o carnaval constituía um conjunto de manifestações da cultura popular medieval e do Renascimento e um princípio, organizado e coerente, de compreensão de mundo. O carnaval, propriamente dito, não é, evidentemente, um fenômeno literário, mas um espetáculo ritualístico que funde ações e gestos elaborando uma linguagem concreto-sensorial simbólica. É esta linguagem bem elaborada, diversificada, una (embora complexa) que exprime a ―forma sincrética de espetáculo‖ – o carnaval – e transporta-se à literatura e é a essa ―transposição do carnaval para a linguagem da literatura que chamamos carnavalização da literatura.‖ (Bakhtin, 1981: 105) A linguagem é profunda e comprovadamente concreta e sensível pelo ajuntamento de gentes, o contato físico dos corpos, os quais são providos de sentidos. O sentimento individual é de fazer parte da coletividade, ser membro do grande corpo popular. A unidade coletiva constitui-se pela dissolução das identidades individuais. O corpo individual deixa, até certo ponto, de ser ele mesmo e se une aos demais ao travestir-se por meio de fantasia e máscara – exigência a todos os corpos individuais para formar um único corpo. (Soerensen, p.319)
Mediante a leitura do fragmento exposto, a autora faz menção à vida dupla, isto é, a vida oficial à vida carnavalesca. Trata-se da oportunidade das pessoas vivenciarem a liberdade social a partir do uso da fantasia e da máscara. Ainda, de acordo com Soerensen, o carnaval tanto da Idade Média quanto no período do Renascimento, era distinto do que vivenciamos atualmente. Ou seja, ele podia ocorrer em vários momentos do ano, mas sempre estava relacionado as comemorações religiosas do calendário cristão.
Nestas ocasiões uma figura ganhava destaque: o Bufão. Figura própria da Idade Média e do período do Renascimento; trata-se de um personagem que interpretavam a partir de um viés cômico, costumes e situações da vida quotidiana. Os bufões ficaram também conhecidos como bobos, atores que ‘davam vida’ de maneira crítica e cômica a personagens da sociedade. Muito embora a sua função social fosse proporcionar a diversão, a riqueza das suas críticas era bem acentuada, seja aos costumes, seja a política e a sociedade.
Algumas festividades organizadas pelo baixo clero, dentre eles padres e estudantes, havia a escolha de um indivíduo que recebia a alcunha de ‘bispo’. Este era um título simbólico que, também era denominado como “Papa dos Loucos” e, a ele era dado à autoridade de conduzir as comemorações do carnaval. Cabe ressaltar que, o carnaval era uma ocasião em que a hierarquia oficial poderia ser burlada, o que era proibido e restrito, podia ser praticado. Ainda, nas palavras de Soerensen:
O que se abolia, principalmente, durante o carnaval era a hierarquia. Leis, proibições e restrições, padrões determinantes do sistema e da ordem cotidiana, isto é, extracarnavalesca, são suspensas durante o carnaval: ―revoga-se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os homens‖. A carnavalização adere a essa visão vasta e popular de carnaval que se opõe ao sério, ao individual, ao medo, à discriminação, ao dogmático. (Soerensen, p.320)
Muito embora, historicamente os bailes de máscaras e fantasias estejam em nosso imaginário ligado aos realizados em Veneza, a partir do século XVII, na Idade Média as pessoas também utilizavam máscaras. Todavia, ao contrário das lindas máscaras decoradas dos nobres de Veneza, no período medieval, farta parcela das máscaras detinha aparências monstruosas. O carnaval era a ocasião para expor o grotesco, o ridículo e o cômico. Homens e mulheres trajavam roupas que eram consideradas ‘libertinas’. Os costumes recatados e reservados eram trocados por algumas pessoas pela diversão e pelas experiências carnais. Neste sentido, de acordo com Mikhail Bakhtin o carnaval na Idade Média era experimentado, vivenciado, sendo pois, uma manifestação da sociedade e não pode ser tido como uma representação, mas como uma experiência prática da vida quotidiana.
Bibliografia:BORGES, Paulo Alexandre. Da loucura da cruz à festa dos loucos: loucura, sabedoria e santidade no cristianismo (2001) Disponível: AQUI.
PINTO, Tales Dos Santos. “História do carnaval e suas origens”; Brasil Escola. Disponível: AQUI.Acesso em 06 de fevereiro de 2016.
Soerensen, Claudina. A carnavalização e o riso segundo Mikhail Bakhtin. Revista Travessias,ediçãoXI, p.318-331. Disponível: AQUI.
Tudor Brasil
FARAÓS NEGROS DO EGITO ANTIGO
Durante o século VIII a.C., o Egito Antigo foi governado por uma série de faraós negros, de origem Núbia. Eles reinaram no Egito por quase um século e constituíram a 25ª dinastia de faraós.
O primeiro faraó negro que conquistou o Egito se chamavaPiye. Ele governou o reino da Núbia (região da África que fica situada no atual território do Sudão) e se intitulou como verdadeiro Senhor do Egito, ou seja, o herdeiro das tradições espirituais dos faraós.
Suas tropas caminharam para o norte do Egito, navegando pelo rio Nilo, e desembarcaram em Tebas, capital do Alto Egito, onde empreenderam uma guerra santa contra todos os exércitos que encontravam pela frente. Após um ano de intensos combates, todos os chefes guerreiros do Egito haviam sucumbido ao seu poder.
Muitos chefes guerreiros clamaram por piedade. Em troca de suas vidas, os derrotados ofereciam a Piye todas as suas riquezas, joias, entre outros. Após ter conquistado todo o Egito, Piye ficou conhecido como o Senhor das Duas Terras. Quando todos menos esperavam, o soberano conquistador conduziu seu exército pelo Nilo e retornou para a Núbia, sem jamais ter retornado ao Egito.
Piye morreu no ano de 715 a. C., terminando um reinado de 35 anos. Os faraós negros reunificaram o Egito, que se encontrava com o poder e o território fragmentado, realizaram grandes feitos e construíram monumentos grandiosos. Criaram também um império que se estendeu desde a atual capital do Sudão, Cartum, até a região norte, próxima ao mar Mediterrâneo.
Os faraós negros eram poderosos guerreiros e suas tropas foram praticamente as únicas que conseguiram evitar o domínio dos povos assírios (povos semitas extremamente guerreiros) no Egito.
O governo dos faraós negros no Antigo Egito demonstra que no mundo antigo não existia o racismo. No período em que o faraó Piye conquistou todo o Egito, o fato de sua pele ser negra não era um fator relevante. A escravidão, na Antiguidade, não tinha cunho racial, as pessoas se tornavam escravizadas por dois principais motivos: ou eram prisioneiras de guerra ou se tornavam escravas por dívidas.
Portanto, após a morte de Piye, em 715 a.C., seu irmão, Shabaka, estabeleceu a 25ª dinastia na cidade egípcia de Mênfis. Sob o domínio núbio, o Egito reconquistou suas tradições e sua identidade. Os núbios foram o primeiro povo a iniciar a chamada “Egitomania” (aqueles que admiram e cultuam a civilização egípcia).
Leandro Carvalho
Mestre em História
Mestre em História
Brasil Escola/ UOL
A origem da Micareta
Por Rainer Sousa
A semana do carnaval movimenta milhares de pessoas no Brasil, todas em torno de nossa mais expressiva festa popular. Como a grande maioria sabe, esse festejo veio da Europa e começou inicialmente a ser comemorado nos requintados salões de festa do Rio de Janeiro do século XIX. Com passar do tempo, a comemoração foi para as ruas e hoje é celebrada em diferentes partes do território. O “gosto pelo carnaval” chegou a tal ponto que, segundo alguns dizem, o brasileiro inventou o “carnaval fora de época”.
No entanto, mesmo sendo tão apreciada, as famosas micaretas estão longe de serem uma invenção do nosso povo. O termo micareta vem da expressão francesa “mi-carême”, que significa “meio da Quaresma”. Como o próprio nome diz, os primeiros carnavais fora de época da nossa história aconteceram na França do século XV, bem no meio da Quaresma, tempo estipulado pelo calendário católico-cristão para as pessoas se absterem dos prazeres terrenos.
No Brasil, algumas pesquisas trazem indícios de que a nossa primeira micareta teria acontecido há um século, na cidade de Jacobina, interior da Bahia. Naturalmente, essa primeira manifestação não contou com toda a parafernália que hoje marcam as micaretas espalhadas por todo o país. Na década de 1950, os baianos inventaram o primeiro trio-elétrico, espécie de carro alegórico que conduzia uma banda durante os festejos do carnaval.
Durante várias décadas o uso do trio-elétrico e o carnaval fora de época ficaram restritos às festas acontecidas na Bahia. Somente em 1989, os foliões de Campina Grande, na Paraíba, tiveram a idéia de organizar a Micarande, a primeira micareta organizada fora dos domínios baianos. A partir de então, esse movimento expandiu e passou a formar uma rentável atração turística que movimenta grandes quantidades de dinheiro pelo país afora.
Hoje em dia, para participar desse evento, as pessoas desembolsam uma razoável quantia para adquirir o famoso “abadá”. Essa vestimenta, que permite o ingresso do folião, tem origem na cultura africana. Nos cultos religiosos afro-brasileiros, o abadá designava uma túnica apropriada para a celebração de determinados rituais. Tempos mais tarde, foi reutilizada para nomear a roupa dos capoeiristas. No ano de 1993, a Banda Eva popularizou o termo quando apelidou a roupa do seu bloco com o mesmo nome.
História do mundo/ UOL
O Original Pecado de Luis Inácio
Pouca gente vai negar que Luiz Inácio Lula da Silva é o principal nome da atual conjuntura política brasileira, quem sabe mesmo o maior personagem da história política do nosso país. Como acontece com todo grande personagem, a biografia de Lula é atravessada por contradições, o que faz com que ele desperte todo tipo de sentimentos nos seus admiradores e detratores. Nos últimos tempos, Lula e sua família têm sido alvo de acusações de enriquecimento ilícito, o que, inegavelmente, está comprometendo o capital político daquele que até bem pouco tempo atrás era um dos mais populares e carismáticos homens públicos do Brasil. Neste ensaio, o meu objetivo não é fazer uma defesa do ex-Presidente, até porque há pessoas que podem fazê-lo com muito mais competência. Quero apresentar uma reflexão sobre aquele que me parece ser o pecado original de Luiz Inácio.
Corrupção? É aí que está o “x” da questão? Acredito que não. Para tentar sustentar a hipótese, parto do princípio de que Lula, de fato, é corrupto, um assaltante da coisa pública, um ladrão. Não há qualquer evidência capaz de comprovar cabalmente essas acusações, mas, mesmo assim, para fins de análise, aceito o argumento como verdadeiro. Se Lula é um corrupto, o leitor irá concordar comigo que ele não é o único, não sendo mais ou menos corrupto que os Sérgios Cabrais, Paulos Malufes, Eduardos Cunhas, Agripinos Maias e Eduardos Azeredos, esses sim, picaretas cujas ações criminosas já foram devidamente comprovadas. Por que, então, entre tantos corruptos, o barbudo de Caetés é o mais devassado pela grande imprensa e o mais odiado pelos ditos “brasileiros de bem”? Se o Ministério Público e a mídia hegemônica estão tão preocupados com a corrupção, que talvez seja o mais grave de todos os infortúnios da nação, por que esses outros corruptos não estão estampados, na mesma proporção que Lula, nos editoriais dos principais telejornais brasileiros? Os manifestantes que recentemente foram às ruas exigindo o fim da corrupção no Brasil, o fizeram, muitas vezes, lado a lado com figuras como Agripino Maia e demonstraram um silêncio retumbante em relação às maracutaias de Eduardo Cunha. Já que não parece ser exatamente a corrupção o motivo que coloca Lula na alça de mira dos brasileiros indignados e das acusações que vemos e ouvimos todos os dias, onde estaria o pecado do sindicalista dos nove dedos? Uma breve visada nos valores políticos que herdamos do século XIX pode nos ajudar a compreender melhor o problema.
Diferente do que aconteceu em outros países da América, onde a criação de estabelecimentos de ensino superior data do século XVI, no Brasil, a fundação das primeiras faculdades somente aconteceu no século XIX, quando não mais éramos colônia de Portugal. Logo na primeira constituição da história independente do Brasil, outorgada em 1824, estava prevista a fundação de duas faculdades de direito, uma ao norte e outra ao sul do Império do Brasil. Após algumas disputas, as Faculdades de Direito de Pernambuco e de São Paulo começaram a funcionar em 1827. O tempo passou e o ingresso nos cursos jurídicos se tornou sinal de distinção social e de preparação para a vida política, a ponto de Joaquim Nabuco, no famoso livro “Minha Formação”, ter dito serem as Faculdades de Direito a “antessala da Câmara dos Deputados”. Os estreitos vínculos entre as instituições de ensino jurídico e a política parlamentar foram identificadas com precisão por José Murilo de Carvalho, que no importante livro “A Construção da Ordem” demonstrou que, entre 1830 e 1860, aproximadamente 77% dos homens que ocuparam cargos no poder legislativo (formado na época pelas Câmaras Municipais, pelas Assembleias Provinciais, pela Assembleia Geral e pelo Senado) eram bacharéis em direito.
Não à toa, importantes intérpretes do Brasil apontaram o “bacharelismo” como um dos nossos principais valores sociais. Alberto Torres (1865-1917), por exemplo, no livro “O problema Nacional Brasileiro”, afirmou que o principal dilema da nação estava no fato de os homens públicos “serem quase todos bacharéis que bordavam, sobre a realidade da nossa vida, uma teia de discussões abstratas ou vazias”. Também Gilberto Freyre (1900-1997), em “Sobrados e Mocambos”, criticou a atuação política dos bacharéis, que “afrancesados nada mais faziam do que adornar discursos e copiar leis inadequadas à realidade nacional”. Como podemos perceber, tanto Alberto Torres como Gilberto Freyre relacionam o bacharelismo ao enfeite da palavra, aos excessos retóricos que zelavam mais pelo adequado uso da norma culta do que pelos efeitos práticos da intervenção política.
Talvez seja, exatamente, esse apreço bacharelesco pela retórica enfeitada que faz com que alguns hostilizem Lula, chamando-o de analfabeto e debochando das suas escorregadelas nas concordâncias gramaticais. O curioso é que já ouvi esses ataques saindo da boca de pessoas das mais diversas classes sociais, desde o porteiro do meu prédio até o meu colega professor universitário. O “Lula corrupto” é uma construção discursiva relativamente recente. O “Lula analfabeto” é muito mais antiga, tendo grande permeabilidade no imaginário coletivo. Ainda mais curioso é o fato de que muitos dos doutos sábios que, bacharelisticamente, chamam Lula de analfabeto, jamais irão colocar os pés na maioria das 56 universidades que já agraciaram o ex-Presidente com o título de doutor honoris causa.
Quando falamos em Lula é impossível não vislumbrarmos também aquele que é a sua antítese: Fernando Henrique Cardoso. Diferente de Lula, FHC construiu a sua vida pública no espaço da universidade, tendo sido um dos principais responsáveis, junto com nomes como Florestan Fernandes (1920-1955) e Octávio Ianni (1926-2004), pela delimitação do campo disciplinar das Ciências Sociais no Brasil, ao longo das décadas 1950 e 1960. Até então, os estudos sociais brasileiros ou estavam atrelados ao Estado e voltados à construção da identidade nacional, como aconteceu no século XIX, em especial dentro de instituições como o IHGB, ou eram marcados pelo chamado “ensaísmo”, que tornava bem tênues as fronteiras entre a literatura e a ciência, entre a ficção e a realidade. FHC e seus colegas da chamada “Escola Paulista” se esforçaram para desenvolver métodos e abordagens que fossem capazes de profissionalizar e tornar mais criteriosos os estudos sociais brasileiros, fazendo-o a partir de uma perspectiva marxista. Sim, meus amigos, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais personagens da história intelectual brasileira, em algum momento, foi marxista. Vejam só como essa vida é louca.
Neste ensaio, não tenho a menor intenção de comparar os serviços que ambos prestaram ao Brasil na condição de chefes de Estado, apesar de eu ter uma opinião muito bem formada sobre o assunto. Prefiro chamar a sua atenção, caro leitor, para a simbologia que cerca esses dois personagens; Lula X FHC! De um lado, está metalúrgico sem ensino superior que, às vezes, não conjuga adequadamente os tempos verbais e tropeça nas concordâncias. Do outro, está o intelectual laureado, poliglota e autor de importantes livros sobre a realidade nacional. Não há dúvidas de que FHC é muito mais representativo do tal bacharelismo do qual Alberto Torres e Gilberto Freyre nos falam do que Lula. Muito mais: Lula é a mais perfeita negação do bacharelismo, ainda que ele tenha vestido terno e gravata e aparado a barba, na expectativa de ser aceito pelos bacharéis que desde sempre dominam a política brasileira. O próprio Luiz Inácio, dotado de reconhecida capacidade política, em algum momento se envaideceu a ponto de achar eles o aceitariam, o tratariam como igual. Jamais o aceitarão como um igual, mesmo que ele tenha, no melhor estilo Lula, conciliado, negociado e cedido, ainda que ele não seja, e nunca foi, digamos assim, um comunistão revolucionário.
Em meio a tantos corruptos, portanto, seria ingênuo achar que a mídia hegemônica e os magistrados que comandam as investigações que hoje são tão conhecidas por todos os brasileiros, perseguem Lula pelo simples fato de ele ser corrupto, o que, repito, ainda não foi provado. O que está em jogo não é corrupção, mas sim aquele que é o pecado original de Lula: a sua condição de sujeito, aquilo que ele é, de onde ele veio, ou melhor, de onde não veio. Lula veio do sertão, da fábrica, e não da universidade. Mesmo assim, Lula se tornou o Presidente brasileiro mais respeitado internacionalmente, aquele que mais abalou as hierarquias sociais que herdamos do complexo Casa grande & Senzala, ainda que não o tenha feito na proporção que gostaríamos.
Um nordestino flagelado pelo sertão, operário, no comando do País, na posição que foi de dois Reis de estirpe europeia, de dezenas de bacharéis em direito e de oficiais do Exército, mais bacharéis fardados que soldados. Como pôde ser ele a exceção, o único? Esse é o original pecado de Luiz Inácio.
Rodrigo Peres, 4 de fevereiro de 2016
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O que se abolia, principalmente, durante o carnaval era a hierarquia. Leis, proibições e restrições, padrões determinantes do sistema e da ordem cotidiana, isto é, extracarnavalesca, são suspensas durante o carnaval: ―revoga-se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierárquica e por qualquer outra espécie de desigualdade (inclusive a etária) entre os homens‖. A carnavalização adere a essa visão vasta e popular de carnaval que se opõe ao sério, ao individual, ao medo, à discriminação, ao dogmático. (Soerensen, p.320)

