terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

"Praz as Suas Altezas, e os seus ditos procuradores em seu nome, e em virtude dos ditos seus poderes, outorgaram e consentiram que se trace e assinale pelo dito mar Oceano uma raia ou linha direta de pólo a pólo; convém a saber, do pólo ártico ao pólo antártico, que é de norte a sul, a qual raia ou linha e sinal se tenha de dar e dê direta, como dito é, a trezentas e setenta léguas das ilhas de Cabo Verde em direção à parte do poente, por graus ou por outra maneira, que melhor e mais rapidamente se possa efetuar contato que não seja dado mais."
Como escreveu o professor Contente Domingues: "A 7 de junho de 1494, os procuradores de D. João II, rei de Portugal, e de Fernando e Isabel, reis de Aragão e Castela, assinaram na vila de Tordesilhas dois tratados com amplas repercussões nos destinos ibéricos, mormente no que era para os finais do século 15 uma das linhas de acção fundamentais para qualquer das partes: a expansão para fora do quadro peninsular. Do lado português estiveram presentes Rui de Sousa, senhor de Sagres e Beringel, o seu filho João de Sousa, almotacém-mor, e Aires de Almada, corregedor dos feitos civis na corte e do desembargo real; a embaixada era secretariada por Estêvão Vaz, e tinha como testemunhas João Soares de Siqueira, Rui Leme e Duarte Pacheco Pereira. Por parte de Castela e Aragão, o mordomo-mor D. Henrique Henriquez, D. Gutierre de Cárdenas, comendador-mor, e o Dr. Rodrigo Maldonado; secretariados por Fernando Alvarez de Toledo, levavam também três testemunhas, Pêro de Leão, Fernando de Torres e Fernando Gamarra.
Ao abrigo do tratado assinado em Alcáçovas em 1479, o monarca português reclamou que as descobertas de Colombo se situavam nos domínios que lhe pertenciam: «dentro dos mares, e termos de seu senhorio da Guiné», nas palavras do cronista Rui de Pina. Mandou, por isso, aprestar uma armada (cujo comando entregou a D. Francisco de Almeida) para delas tomar posse, mas embargou-a ao concordar numa moratória proposta por Fernando e Isabel, até a questão se resolver, e que lhes permitiu recorrer à Santa Sé, árbitro habitual em demandas internacionais.
O papa Alexandre VI foi claramente favorável às pretensões de quem o ajudara a sentar-se no trono pontifício – é Jernimo Zurita, o cronista do rei de Aragão, Fernando, o Católico, que o afirma peremptoriamente. Expediu em seu favor quatro bulas (que ficaram conhecidas por bulas alexandrinas), das quais as mais importantes são: a Inter Caetera que concede aos Reis Católicos as terras descobertas e a descobrir, datada de 3 de maio de 1493; a Inter Caetera II que tem data de 4 de maio mas foi expedida em junho, quase seguramente ante datada com erro material em relação à data da anterior, e demarcando explicitamente o que na outra se estipulava genericamente: aos Reis Católicos estava reservada a jurisdição das terras a ocidente de uma linha traçada de pólo a pólo, e passando 100 léguas a oeste dos arquipélagos de Cabo Verde e Açores. Ainda não era suficiente: a bula Dudum Siquidem, de 26 de setembro, virá a alargar as concessões da Inter Caetera II, reafirmando claramente o propósito de favorecer ao máximo as pretensões espanholas.
A linha divisória proposta por Alexandre VI não podia convir a D. João II: as condições de navegação no Atlântico Sul, sabia-o já, obrigavam a um acentuado desvio que aproximava os navios da costa brasileira antes de dobrarem o extremo sul de África, para que pudessem contornar os ventos e correntes que dificultavam sobremaneira a descida junto à costa ocidental deste continente. Como acontece amiúde na navegação à vela, uma rota mais longa pode ser mais rápida, cómoda e segura. Daí a contraproposta que se materializou em Tordesilhas.
Importa, por outro lado, não esquecer que se dirimiam simultaneamente questões das mais diversas. Ao invés de se tratar apenas da soberania dos novos territórios, discutiu-se à mesa e no decurso das negociações todo o frágil equilíbrio político-militar e diplomático em que assentavam as relações luso-espanholas. Tratava-se de ratificar o domínio português sobre o comércio e navegação a sul das Canárias (tal como se resolvera em Alcáçovas); de definir as zonas de expansão ibéricas no Norte de África, sobre o qual Castela e Aragão tinham também pretensões, e os direitos de pesca de ambas as partes a sul do cabo Bojador; de resolver diferendos fronteiriços dentro da Península Ibérica; e, por último, a sucessão de D. João II, que queria impor como herdeiro o seu filho bastardo D. Jorge, enquanto os Reis Católicos protegiam o partido de D. Manuel, duque de Beja e irmão da rainha D. Leonor, e que efectivamente se veio a alcandorar ao trono português: desenlace ao qual não devem ter sido estranhas as pressões exercidas na Santa Sé por D. Bernardino de Carvajal, bispo de Cartagena e irmão de um dos embaixadores que os soberanos espanhóis enviaram a Portugal para negociar com D. João II.
O encontro de Tordesilhas resolveu parte destes problemas: o que ficou conhecido por segundo tratado debruçava-se sobre a delimitação do reino de Fez (necessária para a subsequente partilha de zonas de acção no Norte de África) e sobre as pescarias; o primeiro, que reproduzimos e tratamos aqui, traduziu-se numa repartição de esferas de influência no espaço atlântico e nas conquistas ultramarinas.
Da sua leitura extraímos os seguintes passos fundamentais:
1) Seria traçada uma linha divisória de pólo a pólo e distante 370 léguas do arquipélago de Cabo Verde; a parte ocidental pertencia a Espanha e a oriental a Portugal.
2) Uma delegação de astrónomos, pilotos e marinheiros de ambas as nacionalidades e em igual número de cada uma devia fixar essa linha num prazo de dez meses.
3) Era garantido aos espanhóis o direito de passagem para o Ocidente, mas só esse.
4) Uma vez que se desenrolava entretanto a segunda viagem de Cristóvão Colombo, estipulava-se que seriam de soberania espanhola as terras por ele achadas até 20 de junho para lá de um limite de 250 léguas a oeste de Cabo Verde. Quaisquer descobertas até esse limite, ou mesmo depois dele mas efectuadas depois daquela data e até ao semimeridiano definitivo das 370 léguas, revertiam a favor de Portugal. Depois de 20 de junho respeitar-se-ia apenas esta última marca.
5) Os contratantes comprometiam-se a não recorrer «ao Santo Padre nem a outro nenhum legado ou prelado» para alterar estas disposições; antes se pedia ao papa que ratificasse o tratado na sua exacta forma.
Longe de deixar tudo clarificado, o tratado suscitou de imediato alguma controvérsia. Era, com efeito, impreciso em dois pontos: primeiro, não determinava o local exacto, no arquipélago em questão, a partir do qual se deveria fazer a mediação das 370 léguas; em segundo lugar, não determinava também o processo técnico que deveria ser posto em prática - problema fulcral, porque a medição de longitudes não se podia fazer de forma absolutamente rigorosa à luz dos conhecimentos da época (só se virá a consegui-lo com a invenção do cronômetro, no século 18, permitindo a «conservação do temp

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