A praia do carioca começa na Lapa
São 4:50 da madrugada na Rua do Senado,na Lapa. Até os mais renitentes boêmios já entregaram os pontos.Não se vê viva alma,a não ser em frente ao sobrado número 273, onde cerca de 50 pessoas aguardam a abertura da fábrica do tradicional biscoito de polvilho Globo. Daqui a algumas horas o sol estará brilhando na orla mas a praia do carioca começa ali na escura Rua do Senado.
O primeiro da fila chegou ás 2hs, Fausto Ferreira da Silva, 80 anos compra biscoitos para vender na praia do Leblon há 8 desde que deixou o emprego de cozinheiro
num restaurante no Centro.
"O produto é bom!" empolga-se, " Esse biscoito é dinheiro em caixa. Criança de 1 ano já aponta o dedinho quando a gente passa", diz o vendedor que paga 25 reais por um saco com 50 unidades.
Pontualmente ás 5 hs, um senhor franzino, de fala mansa, mas articulada e segura, chega para abrir a fábrica.
Miltom Ponce segue esta rotina desde 1962, quando decidiu ampliar a Padaria Globo, em Botafogo.
Paulista ele chegou ao Rio em 1954 trazendo de uma panificação antiga do bairro do Ipiranga a fórmula que junta polvilho, ovos, leite, açúcar,sal, gordura hidrogenada e água.
"Muita gente pergunta porque não aumento a produção. Quase todos os dias recebo proposta de franquia mas isso aqui é como um bolo que voce faz na sua casa"
Segundo ele sua maior satisfação é fornecer um meio de vida a milhares de pessoas que vendem o biscoito nas prais do Rio e nas ruas da cidade.
"Muita gente aposentada ou desempregada vem aqui comprar o biscoito e sobrevive da venda.
Miltom diz que o segredo do sucesso são seus funcionários - 18 no turno da manhã e 4 no turno da tarde- que chegam a produzir 15 mil saquinhos com 10 rosquinhas cada, durante o verão.
"Tenho funcionários aqui há 42, 38,35 anos. Aquele está aqui desde os 11"- conta enquanto aponta para o forneiro Ednaldo Valdevino do Nascimento, 36 anos.
Levado à fábrica por 2 tios, ele acorda todos os dias ás 3:20 para trabalhar.
Mas quem mete mesmo a mão na massa é Jailton da Silva Cardoso, que exercita os músculos e a sensibilidade dos dedos para achar o ponto certo. Como não pode usar luvas, sua maior preocupação é com a higiene.
"Se colocar numa batedeira a massa queima porque não leva fermento.-explica-Já tentei usar luvas mas elas impedem que eu saiba o ponto exato."
Miltom brinca com a fidelidade dos funcionários:
"Tem uma senhora aqui que se eu demitir, dá um jeito de entrar pelo telhado.A maioria das empresas erra quando troca os empregados que ganham mais, Eu valorizo esta equipe."
Seu calcanhar de Aquiles é o empacotamento nos saquinhos de papel vendidos nas praias.Os únicos que resitem à ação do sol.
"Já procurei na Itália e na Alemanha, mas não existem máquinas para este trabalho."
Ver empacotadores como, William da Silva Torres atuando é um espetáculo. Numa velocidade tão grande que suas mãos desaparecem.Ele enche um saco em menos de 5 segundos.
Apesar de não ser carioca, Miltom já incorporou o espírito carioca gozador e não liga para os apelidos: biscoito de vento ou me engana que eu gosto.
"Devemos muito do nosso sucesso à essa irreverência"