Posso Errar?
Por Leila Ferreira
Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”. Foi num
hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de ver que tinha
deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem shopping num raio de
10 quilômetros. A única opção era usar o dois-em-um (xampu com efeito condicionador)
do kit do hotel. Opção? Maneira de dizer. Meus cabelos, superoleosos, grudam só de
ouvir a palavra “condicionador”. Mas fui em frente. Apliquei o produto
cautelosamente, enxaguei, fiz a escova de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram
soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove vidros de xampu “certo” que deixei
em casa costumam prometer para nem sempre cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto
a gente se esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa
certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou:
certa por quê?
O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa? Minha amiga se casou
com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos. Levou um mês para
descobrir que estava com o marido errado. Ele foi “certo” até colocar a aliança. O
que faz surgir outra pergunta: certo até quando? Porque o certo de hoje pode se
transformar no equívoco monumental de amanhã. Ou o contrário: existem homens que
chegam com aquele jeito de “nada a ver”, vão ficando e, quando você se assusta, está
casada — e feliz — com um deles.
E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o vestido certo
e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na hora de sair para a
festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que está tudo errado? As
vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas talvez você se sentisse melhor
com uma dose menor de perfeição. Eu mesma já fui para várias festas me sentindo
fantasiada. Estava com a roupa “certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado
mais parecida comigo mesma, nem que fosse para “errar”.
Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos problemas
de saúde, e ela me respondeu: “Eu sei que está errado, mas a gente tem que fazer
alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem graça. O que eu queria mesmo
era trair meu marido, mas isso eu não tenho coragem. Então eu fumo”. Sem entrar no
mérito da questão — da traição ou do cigarro — concordo que viver é, eventualmente,
poder escorregar ou sair do tom. O mundo está cheio de regras, que vão desde nosso
guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista
de emprego, o vinho que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos
torna parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá
status, a idade que devemos aparentar. Obedecer, ou acertar, sempre é fazer um pacto
com o óbvio, renunciar ao inesperado.
O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem quando
constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta: “Como assim?!
Você não dirige?!”. Com toda a calma, ele responde: “Não, eu não dirijo. Também não
boto ovo, não fabrico rádios — tem um punhado de coisas que eu não faço”. Não temos
que fazer tudo que esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos. Como
diz Sofia, agente de viagens que adora questionar regras: “Não sou obrigada a
gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma
vida sem carboidratos”. O certo ou o “certo” pode até ser bom. Mas às vezes
merecemos aposentar régua e compasso.
(Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro Mulheres – Por
que será que elas..., da Editora Globo)
.
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Posso errar?
Posso Errar?
Por Leila Ferreira
Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”. Foi num
hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de ver que tinha
deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem shopping num raio de
10 quilômetros. A única opção era usar o dois-em-um (xampu com efeito condicionador)
do kit do hotel. Opção? Maneira de dizer. Meus cabelos, superoleosos, grudam só de
ouvir a palavra “condicionador”. Mas fui em frente. Apliquei o produto
cautelosamente, enxaguei, fiz a escova de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram
soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove vidros de xampu “certo” que deixei
em casa costumam prometer para nem sempre cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto
a gente se esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa
certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou:
certa por quê?
O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa? Minha amiga se casou
com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos. Levou um mês para
descobrir que estava com o marido errado. Ele foi “certo” até colocar a aliança. O
que faz surgir outra pergunta: certo até quando? Porque o certo de hoje pode se
transformar no equívoco monumental de amanhã. Ou o contrário: existem homens que
chegam com aquele jeito de “nada a ver”, vão ficando e, quando você se assusta, está
casada — e feliz — com um deles.
E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o vestido certo
e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na hora de sair para a
festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que está tudo errado? As
vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas talvez você se sentisse melhor
com uma dose menor de perfeição. Eu mesma já fui para várias festas me sentindo
fantasiada. Estava com a roupa “certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado
mais parecida comigo mesma, nem que fosse para “errar”.
Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos problemas
de saúde, e ela me respondeu: “Eu sei que está errado, mas a gente tem que fazer
alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem graça. O que eu queria mesmo
era trair meu marido, mas isso eu não tenho coragem. Então eu fumo”. Sem entrar no
mérito da questão — da traição ou do cigarro — concordo que viver é, eventualmente,
poder escorregar ou sair do tom. O mundo está cheio de regras, que vão desde nosso
guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista
de emprego, o vinho que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos
torna parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá
status, a idade que devemos aparentar. Obedecer, ou acertar, sempre é fazer um pacto
com o óbvio, renunciar ao inesperado.
O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem quando
constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta: “Como assim?!
Você não dirige?!”. Com toda a calma, ele responde: “Não, eu não dirijo. Também não
boto ovo, não fabrico rádios — tem um punhado de coisas que eu não faço”. Não temos
que fazer tudo que esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos. Como
diz Sofia, agente de viagens que adora questionar regras: “Não sou obrigada a
gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma
vida sem carboidratos”. O certo ou o “certo” pode até ser bom. Mas às vezes
merecemos aposentar régua e compasso.
(Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro Mulheres – Por
que será que elas..., da Editora Globo)
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