sábado, 23 de outubro de 2010

O cravo não brigou com a rosa

O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada". Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro? É Villa Lobos, cacete! Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar. Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz. Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens. Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho. Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma. Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha. Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil. O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach. Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade". Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto. -- --

Um comentário:

  1. É o facismo evangélico entrando pela porta social mesmo...rs...
    Bem, eu, particularmente, já morri de rir com tudo isso. Mas, também, já reencarnei na situação.
    As peças não são de Villa-lobos, como o autor do artigo mesmo disse, ele se valeu de algo da cultura popular para fazer uma versão dele - o que foi maravilhoso. Aliás, eis aí um ponto (a mais) fortíssimo deste compositor e de outros que trouxeram as danças e tradições do folclore para a música erudita. Sem contar os que trabalham com este estilo na própria música chamada popular. Ou seja, no dia-a-dia do que vivemos, ou mesmo na memória do que somos e que cantamos. O nosso retrato em tons maiores e menores...
    Os cravos brigam mesmo com as rosas, seja a Rosa do Chico Buarque, ou os soldados da Revolta dos Cravos lá em Portugal...rs... Também do Chico... Ôba!
    Samba Lelê vai continuar quebrando a cabeça e levando "palmadas" da vida para tentar entendê-la e continuar a fazer da arte de viver algo maior que o medo de apanhar ou enfrentar um "não"... ou de "dançar", né?
    Talvez o pau que o menino atire no gato seja um pouco diferente daquele que o padre pedófilo atira nos meninos e meninas... Quem sabe?
    Este anjinho que imita as letrinhas distorcidinhas que a titia está ensinando é o mesmo que vai ouvir no radinho do carro do papai e da mamãe o "Bonde do Tigrão"... E que vai ver imagens dos outros mineiros soterrados no Chile - que não pegaram a promoção mundial, ou ainda, ver que o papai de uma menina, junto com a sua madrasta, foi capaz de jogá-la de uma janela - lááá no Jornal Nacional, ou, ainda, ver coisas mais "lindinhas" nos desenhos animados onde um herói tem de salvar o mundo de alguma catástrofe (Ih...rs... Lembrei do Roriz agora!) ou mesmo em qualquer emissora que trabalhe com um jornalismo sensacionalista, na linha de um Datena da vida...a partir das duas da tarde.
    Não é "Fantástico"?
    Ah... e ainda tem as novelas e outras cositas mais...rs...
    Para mim, essa atitude de maquiar a realidade através da imbecilização é muito parecida com a "Marinagem" que os tucanos enrustidos adotaram nestas últimas eleições. Como essa Marina foi conveniente, heim?
    Uma Marina que não é Rosa, não briga com o Cravo - e que, ao contrário: elogia a ambos, né? E ela é besta?
    É a Samba Lelê, que não quer palmadas, mas que quebrou a cara do mesmo jeito.Enquanto um bando de tiazinhas ainda se acha boazinhas em querer mascarar a própria incompetência - porque "papai do céu assim o quer"...
    E, ainda, um bando de mulher com ódio da Dilma no espelho, é mole?
    Enquanto o Cravo brigava com a Rosa, a tal Marina se fechava em botões da cabeça aos pés - numa ciranda puritana inútil.
    Taí...rs... Essa Marina nem se pintou mesmo... E você acha que ela teria coragem para tal?
    Posicionar-se 'requer'....E quem não tem querer está posicionado nesta situação: "politicamente correta" - mas só politicamente, viu?
    Acho que isso diz tudo.
    Dora Galesso.

    ResponderExcluir